O Domínio da Mente no Cristianismo Através da Música

Em anos
mais recentes, psicólogos, tal como William Sargant, tem se
interessado nas atividades da mente envolvida em assuntos religiosos. Em
um de seus livros, A conquista da mente, Sargant relata suas
descobertas ao estudar os efeitos fisiológicos da conversão. Ele
menciona que recebia em sua clínica muitos pacientes durante a
Segunda Guerra Mundial para serem tratados. Em muitos casos, soldados de
guerra que apresentavam sintomas de exaustão de combate, “estupor,
perda de memória, perda do uso dos membros, desmaios, etc” (SARGANT,
1968, p. 52). Para entendermos os métodos empregados por Sargant no
tratamento de seus pacientes, que explicaremos mais adiante, é
importante lembrarmos que Sargant é considerado um behaviorista.
Na psicologia, behavioristas defendem que “o comportamento é o único
elemento qualificável e previsível do ser humano e, portanto, o único
objeto da psicologia” (ÁVILA, 2003, p. 45).
Sargant tratava seus pacientes a partir
dos conceitos pavlovianos de “estimulação” e “inibição” transmarginal,
onde estes pacientes eram levados a um estado de medo, excitação e alta
sugestionabilidade, caindo então em colapso. Posteriormente, quando
o paciente voltava a si, os sintomas que antes lhe acompanhavam,
desapareciam (SARGANT, p. 29-46). Segundo ele, o prolongamento de uma
estimulação transmarginal provoca um estado de sugestionabilidade,
favorável a cura. Sugestionabilidade, conforme Sargant o define, é a
capacidade de induzir pessoas a acreditarem qualquer coisa, mesmo
naquilo que contradiz fatos evidentes. Mesmo que o paciente esteja em
uma sala, deitado em um divã, quando este se encontra neste estado
alterado de consciência, é possível fazer o paciente acreditar que está
se afogando no mar, ou acreditar qualquer outra coisa irreal.
Um exemplo oferecido por Sargant é de
pessoas que antes eram altamente céticas a uma ideia especifica e, após
um momento de excitação realizado por ele, podiam aceitá-la como se
fosse a coisa mais lógica do mundo. “Repentinamente o branco é
preto, amigos são inimigos e inimigos são amigos, questões
insignificantes são mais importantes do que assuntos significantes, ou,
talvez, nada mais parece ter qualquer importância” (SARGANT, 1975, p.
53).
Para alcançar esse estágio de
sugestionabilidade, poderiam ser utilizados vários métodos. Um deles era
fazer o paciente relembrar os momentos traumáticos que lhe deixaram
naquela situação. Isso podia, muitas vezes, acontecer sob a influência
de certas drogas que eram aplicadas nos pacientes. Sob o efeito da
droga, os pacientes relembravam com maior facilidade os eventos
traumáticos de sua vida e reviviam aquele momento emocionalmente
carregado, até entrar em colapso e esgotamento emocional. Após o
colapso, eles descansavam tranquilamente, sem reagir a qualquer estimulo
do ambiente ao seu redor, e “ao tornarem a si, muitas vezes desandavam a
chorar e relatavam que seus sintomas principais haviam desaparecido de
repente” (SARGANT, 1968, p. 69). Sadler define este processo como
abreação. Isto é, o “processo de reviver a memória de uma experiência
desagradável reprimida e expressar em fala e ação as emoções
relacionadas com ela, livrando assim a personalidade de sua
influência” (SARGANT, p. 67).
Posteriormente, Sargant descobriu um
método mais eficaz ao levar o paciente a um estado de excitação e medo,
mesmo se não houvesse qualquer relação com o evento traumatizante. Assim
fazendo, poderia alcançar os mesmos resultados (colapso e cura). Ele
descobriu que o ato de relembrar o evento não era o que trazia a cura, e
sim a descarga emocional.
‘Memórias sem afeto,
memórias sem menor descarga de emoções’ eram quase inúteis;
significando que, a menos que um médico pudesse levar seus pacientes
a viverem de novo as emoções originariamente associadas a experiência
reprimida que causara a neurose, o mero fato de lembrar-se da
experiência não constitui cura (SARGANT, p. 66).
A cura produzida pela abreação, não
acontecia devido ao exercício da memória, mas à quantidade de excitação
alcançada: “A quantidade de excitação provocada parecia ser o fator
determinante do êxito ou malogro de inúmeras tentativas de eliminação
dos padrões de comportamento mórbido recém-adquirido. Emoção que não
leva o paciente ao ponto de inibição transmarginal e colapso podia ser
de pouca utilidade” (SARGANT, p. 74).
A abreação é uma ferramenta utilizada
por psicólogos para levar o paciente à cura, mas Sargant nos lembra que
este também “é um velho truque psicológico que vem sendo usado, para o
bem ou para o mal, por gerações de pregadores e demagogos a fim
de abrandar a mente de seus ouvintes e ajudá-los a assumir os desejados
padrões de crença e comportamento” (SARGANT, p. 76). Muitos utilizam a
abreação para mudar a maneira como uma pessoa pensa, como também
devolver funções que tinham sido inibidas pelo trauma, como perda da
visão, audição, capacidade de andar, segurar objetos e outros males.
Neste momento uma pergunta pode surgir:
“Quem está imune a esse tipo de controle mental?” Sargant responde
afirmando: “Ninguém!” Todos, quando expostos a esses métodos, acabam
cedendo uma hora ou outra. Segundo ele, existem dois tipos de pessoas na
sociedade: a “comum” e a “incomum”, ou “anormal”. Para ele, a
pessoa “comum” é na realidade a pessoa mais facilmente doutrinada por
tais métodos.
Aqui, “comum” ou “normal” é definido
pela comunidade “simplesmente porque aceita a maioria de seus [da
sociedade] padrões sociais e padrões de comportamento [...] [a pessoa] é
suscetível a sugestão e foi persuadida a seguir a maioria na maior
parte das ocasiões comuns e extraordinárias” (SARGANT, p. 82). Segundo
ele, “o melhor meio de evitar possessão, conversão e todas as condições
semelhantes consiste em evitar envolver-se emocionalmente no processo”
(SARGANT, p. 112). Em frequentes ocasiões, o autor comenta que percebia
estar entrando em um estado de sugestionabilidade, pois seu raciocínio
já não era tão acurado como normalmente. Talvez os únicos que aparentam
ser impermeável à sugestão, de acordo com Sargant, sejam os lunáticos ou
doentes mentais (SARGANT, p. 192).
O estado de sugestionabilidade, já
mencionado, é interpretado como sendo “êxtase”, o qual Paulo Calderelli
define da seguinte maneira:
Alegria ou
arrebatamento incontido e excessivo. Neste estado permanece suspensa
toda a atividade voluntária e também, parcialmente, as
funções sensoriais e psíquicas em geral, devido à prolongada
contemplação de um grupo limitado de idéias. É freqüentemente observado
nos delírios místicos e na histeria nesta condição o indivíduo parece
ter perdido todo e qualquer contato com o mundo exterior (CALDERELLI, p.
287).
Este estado de consciência alterada se
caracteriza “por um limiar sensório e por um abandono dos modos
habituais de perceber o meio exterior e/ou interior” (WHITE, 1997, p.
24).
O êxtase religioso
O êxtase não é um fenômeno que acontece
apenas no meio “secular”. Ele também é experimentando no âmbito
religioso. Assim sendo, nos interessa especialmente a interpretação de
Mendonça (1997, p. 150) acerca deste fenômeno: “O êxtase pode
ser definido como um estado de consciência alterado, com maior ou menor
intensidade, e que se caracteriza pela passagem que o individuo sofre de
uma realidade para outra. Na maior parte das vezes o êxtase é procurado
pelos indivíduos, especialmente nas práticas religiosas em que é
valorizado como canal de comunicação com o sagrado”.
No caso de Sargant, ele menciona que o
êxtase religioso também se tornava útil e necessário para a cura de
traumas passados. No entanto, o êxtase religioso é aqui defendido como
uma forma de experimentar o divino. Rosileny Santos (2004, p. 105),
ao analisar alguns relatos de pessoas que experimentaram o êxtase
religioso, afirma que “desde relatos mais antigos até mais recentes, o
êxtase religioso tem a mesma conotação: é pessoal, tem a ver com a
racionalidade da pessoa, independente da cultura ou da religião, e é uma
busca que em si promete momentos de euforia e bem-estar”.
O êxtase ou a excitação mental pode ser
obtido de diversas maneiras, em ambientes religiosos: através do medo,
choques elétricos, drogas, álcool, sexualidade e música. Os dirigentes
das atuais religiões não são ignorantes destas armas fisiológicas.
Jejum, castigo da
carne por flagelação ou desconforto físico, regulação da respiração,
revelação de mistérios terríveis, toque de tambor, danças,
cantos, provocação de medo, pânico, iluminação fantástica ou gloriosa,
incenso, rogas inebriantes – esses são apenas alguns dos inúmeros
métodos empregados para modificar a função cerebral normal para
propósitos religiosos (SARGANT, p. 94).
Já que a musica é um dos “métodos
empregados para modificar a função cerebral normal para propósitos
religiosos”, nos interessa nesse momento descobrir como ela é utilizada
para alcançar estes níveis de consciência alterada em âmbito religioso.
A música e o êxtase religioso
Não se pode duvidar do poder que a
música tem sobre a mente humana. Ela é capaz de alterar o estado da
mente do ouvinte, assim como dominá-la. O ouvinte “antes de mais nada,
precisa ser musicalmente sensível e tem de estar na disposição de
espírito certa, para ser dominado pela música. E a música tem de ser
exatamente do tipo certo. Ritmo percussivo agudo pode fazer um paciente
entrar em espasmos, como uma marionete” (JOURDAIN, 1998, p. 381).
Teóricos que se especializaram nos
efeitos fisiológicos da música se impressionam a que ponto o corpo pode
ser afetado pela musica:
A música influi na
digestão, nas secreções internas, na circulação, na nutrição e
na respiração, como também até as redes nervosas do cérebro são
sensíveis aos princípios harmônicos. Sem duvida a música provoca certas
mudanças biológicas, podendo ocasionar uma alteração no pulso, na
respiração e na pressão externa do sangue; retarda a fadiga muscular e
aumenta o metabolismo, amplia a sensibilidade e facilita o acesso a
outras formas de estímulo e percepção (SILVA, 1989, p. 40-41). No
extremo oposto da escala, os ritmos acelerados elevam o ritmo das
pulsações do coração e, portanto, a excitação emocional (SILVA, p. 44).
Dessa forma, o ritmo se torna importante
nas diferentes formas de reações mentais. Ritmos diferentes produzem
reações diferentes. O ritmo pode
conduzir a histeria,
criar ou provocar um efeito hipnótico. Se for do tipo
repetitivo, obsessivo, causará psicologicamente uma depressão; e se
iniciar de forma lenta, passando a um movimento cada vez mais rápido,
poderá provocar obscurecimento da consciência, especialmente se a
melodia que o acompanha for contínua, sem fim, suprimindo a sensação de
tempo. Um exemplo disto é o ritmo hipnótico das batidas dos atabaques
nos rituais de macumba, que com um furor crescente é acompanhado pelos
aficionados através de movimentos contorsivos. As variações cadenciadas,
que se aceleram cada vez mais e mais, elevam a pessoa a manifestar o
“santo” (SILVA, p. 47).
Quando esse se torna repetitivo, através
de instrumentos de percussão, o ouvinte pode sentir fadiga, passando
por um “amortecimento consequente da consciência”, levando “iniciados a
um verdadeiro estado de hipnose” (SPARTA, 1970, p. 57). Rosileny Santos
(p. 177) acredita que apesar desses efeitos serem notados quando certos
ritmos são tocados “as músicas utilizadas nas celebrações pesquisadas
não pretendem provocar o êxtase”. No entanto em várias circunstâncias, a
música é o elemento-chave na religião para produzir um estado de transe
nos fiéis, sendo esta uma experiência central em muitas religiões.
Podendo se concluir que a música é um método eficaz na produção
de estados de transe, mesmo quando não produzido intencionalmente.
O transe religioso pode se tornar
especialmente útil quando é necessário uma “conversão” da pessoa para a
nova religião. Ele se torna útil para a dissipação de crenças
e comportamentos antigos e a assimilação de novas crenças e padrões. É
crucial poder “provocar certo grau de tensão nervosa ou despertar
sentimentos de cólera ou ansiedade suficientes para assegurar a atenção
inteira da pessoa e possivelmente aumentar sua sugestionabilidade”
(SARGANT, p. 95). Após o êxtase ou colapso, a pessoa volta ao normal,
mas as novas ideias sugeridas ficam implantadas.
Cientes do poder da música sobre a mente
humana, muitas religiões têm se apoderado desta ferramenta para agir
sobre a mente de seus fiéis. As religiões afro, em especial, conseguem
controlar o nível de sugestionabilidade, controlando o ritmo da música.
O caso de homens e
mulheres que foram levados a um estado de sugestionabilidade pelo toque
de tambor vodu mostra o poder de tais métodos [...] O sacerdote vodu
aumenta a excitação e a sugestionabilidade alterando a altura e o ritmo
do som dos tambores [...] Depois de um colapso final que terminava em
estupor, os participantes… podiam acordar com uma sensação
de renascimento espiritual (SARGANT, p. 110).
Para os que são dominados pela música, a
sensação é de estar sendo dominado por uma força transcendente
(SARGANT, p. 113). “Embora aparentemente inconscientes, eles apresentam
todo o pormenorizado comportamento que se espera da divindade pela qual
se acreditam possuídos” (SARGANT, p. 110).
Ao compararmos as diferentes religiões
existentes, podemos perceber que o êxtase ou o transe religioso é um
fenômeno existente em quase todas elas, e suas interpretações também são
múltiplas. “O êxtase provoca as experiências traduzidas
pelas denominações como ‘voos mágicos’, ‘ascensão ao céu’, ‘viagem
mística’ [...] o ‘ter acesso às altas esferas e de descer as esferas
inferiores” (ELIADE, 1998, p. 49). Sargant, no entanto, procura deixar
claro que independente da explicação que possa ser oferecida no âmbito
religioso, o fenômeno é o mesmo que suas experiências com os soldados
da Segunda Guerra.
Durante a guerra,
como vimos, o sistema nervoso humano pode ser bombardeado por estímulos
de intensidade suficiente para produzir exatamente as mesmas condições
de dissociação mental e transe que são deliberadamente produzidas
em outras partes do mundo pelos tambores, pelas danças e por outras
técnicas excitadoras (SARGANT, 1975, p. 217).
Ele relata suas viagens para países como
Sudão, Zâmbia, Nigéria, Quênia, Haiti, Jamaica, Barbados, Brasil,
Estados Unidos e outros, e seu contato com cultos que promovem
oportunidades de êxtase e colapso. Em cada uma delas podemos encontrar
o papel fundamental da música como instrumento para se chegar ao transe.
Quero salientar mais
uma vez que, sempre quando os seres humanos, mesmo nas sociedades mais
evoluídas, são impelidos a dançar sob-ritmos possantes e repetitivos,
suscita-se uma atmosfera de sugestionabilidade aumentada que
libera tensões acumuladas, ódios e outras emoções dos participantes. As
crenças em líderes religiosos ou políticos ou sociais podem ser
fortalecias, ou também eliminadas para serem substituídas por alguma
crença diferente, dependendo do comportamento e dos propósitos daqueles
que controlam os acontecimentos (SARGANT, p. 155).
O cristianismo e o êxtase religioso
Ele relata uma experiência que teve na
Nigéria que o assustou. Como já estava acostumado a observar religiões
primitivas, não esperava ver o mesmo fenômeno acontecendo em religiões
cristãs.
Vimos aqui novamente
o mesmo padrão de danças, transe, ‘possessão’ e colapso, mas esta era
uma cerimônia cristã, em que alguns dos crentes ficavam possuídos pelo
Espírito Santo. [...] Havia jovens entre os que tocavam tambores, e a
maioria dos dançarinos eram jovens. Fiquei horrorizado ao ver crentes de
dez a quatorze anos entrando em transe com colapso, e isto era
considerado uma manifestação, não de espíritos ancestrais de uma tribo,
mas sim do Espírito Santo e do mesmo Deus que é adorado no mundo cristão
inteiro (SARGANT, p. 179).
Além do mais, pode-se observar uma
ligação entre os estados de transe produzidos pela música, e a
sexualidade dos fiéis subjugados pela música. “Frequentemente os
próprios homens que tocavam os tambores pareciam tentar criar um nível
máximo de reação na paciente específica diante deles. Era quase como se
as mulheres estivessem sendo sexualmente possuídas pelos tambores”. Para
William Sargant, tanto o som dos tambores quanto o sexo são capazes de
produzir um estado de transe ou semi-transe, “terminando em colapso dos
nervos e relaxamento” (SARGANT, p.163).
Qualquer ideia que for sugerida em um
momento de sugestionabilidade será assimilada pelo fiel, seja pelo
condutor da cerimônia como qualquer outro que esteja próximo à pessoa.
Sargant menciona que rapazes, logo após tais reuniões
sugestivas realizavam investidas sexuais nas moças da igreja, e estas
facilmente aceitavam seus convites. “A moça podia ser persuadida ao
abandono erótico tão facilmente quanto à aceitação da mensagem do
evangelho” (SARGANT, 1968, p. 225). Dias após o efeito das reuniões ter
passado, a mesma investida era realizada por estes rapazes nas
mesmas moças, sendo, no entanto, declinado com um “eu não sou uma moça
desse tipo”.
Sabendo que tais métodos são utilizados
dentro do cristianismo, é possível estudar alguns movimentos e grupos
religiosos analisando como esses têm se utilizado da música para
alcançar estados de êxtase religioso. Somerset Maugham, ao comentar
sobre os Exercícios Espirituais dos Jesuítas, descreve os métodos
empregados para atingir estados de consciência alterada:
Dizem que o
resultado da primeira semana é reduzir o neófito a completa prostração. A
contrição aflige-o, a vergonha e o medo angustiam-no. Não só se sente
aterrorizado pelos assustadores quadros em que pousou seu espírito,
mas também fica enfraquecido por falta de comida e esgotado por falta de
dormir. É levado a tal desespero que não sabe onde procurar alívio.
Então um novo ideal é colocado a sua frente, o ideal de Cristo; e a esse
ideal, com a vontade destruída, ele é levado a sacrificar-se de coração
alegre [...] Os ‘Exercícios Espirituais’ são o método mais maravilhoso
até hoje inventado para conquistar controle sobre essa coisa errante,
instável e voluntariosa que é a alma do homem” (SARGANT, p. 162).
Através desse relato, podemos ver
claramente as etapas já mencionadas em nosso estudo. O fiel é levado ao
medo, tensão e esgotamento mental, e quando este se encontra em um
momento de sugestionabilidade, novas ideias podem ser implantados na
mente, o resultado é que ele sai de tais exercícios “convertido”. O
medo, segundo Sargant, também era utilizado por John Wesley, que viveu
no século XVIII:
Antes de tudo,
Wesley criava alta tensão emocional em seus prosélitos
potenciais. Achava fácil convencer grandes públicos daquela época de que
o fato de não alcançarem a salvação necessariamente os condenaria para
sempre ao fogo do inferno. A imediata aceitação de uma fuga a tão
medonho destino era veementemente incentivada sob a alegação de que quem
deixasse a reunião “sem mudar” e sofresse um acidente repentino e fatal
antes de haver aceito sua salvação iria diretamente para a fornalha
ardente. Esse senso de urgência aumentava a ansiedade prevalecente que, à
medida que crescia a sugestionabilidade, podia contagiar todo o grupo
(SARGANT, p. 100).
Além de suas pregações, a música de seu irmão era uma ferramenta poderosa para alcançar os objetivos desejados:
Com auxílio de seu
irmão Charles, cujos hinos eram dirigidos às emoções religiosas e não à
inteligência, ele descobriu uma técnica extremamente eficaz de
conversão – uma técnica empregada não apenas em muitas outras religiões
bem sucedidas, mas também na moderna guerra política (SARGANT, p. 100).
Aqui, o êxtase religioso recebe uma
roupagem “cristã”. Para John Wesley, por exemplo, tais colapsos eram
evidência de “santificação” (SARGANT, p. 104). Outros os interpretavam
como a descida do Espírito Santo sobre a congregação (SARGANT, 1975,
p. 92-93).
Na atualidade, a música tem se tornado
uma parte importante do culto, especialmente quando existem tantos
equipamentos e recursos para intensificar os efeitos da música. Aldous
Huxley, comentando sobre a facilidade existente hoje de recursos para
induzir estados de sugestionabilidade nas massas, diz:
Reuni uma multidão
de homens e mulheres [...] tratai-os com música de banca amplificada,
luzes brilhantes e a oratória de um demagogo que [...]
seja simultaneamente o explorador e a vítima da intoxicação do rebanho, e
podereis de pronto reduzi-los a um estado de sub-humanidade quase sem
mente. Nunca antes tão poucos estiveram em condições de transformar
tantos em tolos, maníacos ou criminosos (SARGANT, 1968, p.164).
Podemos afirmar que, apesar do êxtase
religioso não ser frequente entre cristãos como o é em religiões afro,
sendo às vezes até condenado, nos últimos tempos, tem se tornado mais
frequente, especialmente em igrejas que valorizam o louvor carismático.
A música, mais uma vez, é um dos métodos mais utilizados para alcançar o
êxtase (MEDONÇA, p. 150). Esse fenômeno pode ser facilmente observado
em ambientes pentecostais.
A adoração
pentecostal e carismática, impregnada de ritmo e adaptada a
cultura popular, abre espaço para o florescimento das experiências
místicas, fortalece o vínculo com a cultura primitiva africana e
consolida a ênfase na imanência divina, o que tende a uma superação dos
limites entre sagrado e profano (DORNELES, 2001, p. 201).
Muitos não veem tais técnicas como algo
ruim, e sim positivo. Judson Cornwall, descrevendo a experiência
pentecostal, afirma que o êxtase espiritual é fundamental para o contato
com o Espírito Santo:
Que conforto e vigor
espiritual recebemos quando, em meio a adoração, nosso espírito tem
contato com o Espírito de Deus! Há momentos em que o espírito parece
assumir o controle de todo o nosso ser e se acha tão achegado ao
Espírito de Deus, que temos a impressão de estar tendo uma experiência
fora do corpo. [...] O êxtase espiritual faz isso. Atingimos novas
dimensões, novos picos de gozo, e nosso espírito paira tão livre que
temos a sensação de não mais estar no corpo e na terra. [...] Mas a
adoração não liberta apenas o espírito do adorador. Ela é um meio pelo
qual nossa alma também pode extravasar-se. Na presença do
Senhor liberamos as emoções reprimidas durante longo tempo. É que na
adoração tudo é válido: lágrimas, suspiros, gritos, cânticos e até o
silêncio (1995, p. 101).
Como já observamos anteriormente,
música, excitamento, esgotamento emocional e relaxamento são
fundamentais para o êxtase espiritual. O líder espiritual se torna a
peça central nesse processo.
Essa pessoa,
acompanhada de outros cantores e orquestra, inclusive instrumentos de
percussão, conduz o cântico de acordo com uma bem planejada,
mas aparentemente espontânea progressão, encorajando o povo a
‘abandonar-se a si mesmo ao Espírito’, em cânticos, palmas e dança.
(HUSTAD, 1996, p. 14).
Conclusão
Como foi o objetivo deste estudo,
procuramos apresentar alguns efeitos fisiológicos da música e como estes
são utilizados para levar a estados alterados da consciência em certas
religiões e denominações cristãs. Tal estudo não pretende acusar alguma
denominação em específico, mas mostrar certas tendências que podem
estar acontecendo dentro do meio cristão. Existem formas de implantar
ideias e comportamentos na mente das pessoas sem que estas
conscientemente optem por tais condutas, e entendemos que isto seja um
abuso do livre arbítrio de cada ser humano. Qualquer decisão, seja de
forma filosófica ou religiosa, deve ser tomada de forma consciente e não
imposta de forma abusiva.
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